O estudo de caso que marcou a história da Psiquiatria Metabólica

6/13/20254 min read

Em 2009, um artigo publicado na revista Nutrition & Metabolism pelos médicos Bryan D. Kraft e Eric C. Westman chamou atenção do mundo científico. O trabalho, intitulado "Schizophrenia, gluten and low-carbohydrate, ketogenic diets: a case report and review of the literature", descreve algo quase impensável: a remissão completa dos sintomas de Esquizofrenia em uma paciente idosa após a adoção da Dieta Cetogênica.

Sobre Doris

A paciente do estudo é Doris — uma mulher norte-americana que, aos 70 anos, foi encaminhada para uma clínica de emagrecimento dirigida pelo Dr. Eric Westman, na Duke University. O ganho de peso era um dos muitos efeitos colaterais dos diversos remédios psiquiátricos que ela havia usado ao longo da vida.

Doris havia sido diagnosticada com esquizofrenia aos 17 anos. Desde então, sofria com sintomas como alucinações visuais e auditivas diárias, paranoia e fala desorganizada. Ao longo de sua vida, foi internada diversas vezes, tentou suicídio e passou por tratamentos com inúmeros antipsicóticos e estabilizadores do humor, incluindo risperidona, lítio, olanzapina, aripiprazol, ziprasidona, lamotrigina e quetiapina — sem sucesso duradouro.

Os outros problemas médicos (e seus respectivos anos do diagnóstico) eram:

- obesidade (década de 1950)
- hipertensão (década de 1970)
- depressão (década de 1940)
- apneia obstrutiva do sono (2002)
- doença do refluxo gastroesofágico (2003)
- incontinência urinária (2002)
- glaucoma (1999)
- bursite trocantérica (2004)
- neuropatia periférica de causa desconhecida (2006)
- colecistectomia prévia (1978)

Os efeitos da Dieta Cetogênica na Saúde Física e Mental

A proposta inicial era simples: ajudar Doris a perder peso. Com 141 kg e um IMC de 52,6 kg/m², ela foi encaminhada à clínica de emagrecimento e recebeu uma orientação alimentar bem específica:

- seguir uma Dieta Cetogênica com menos de 20g de carboidratos por dia. Isso incluía carnes e ovos à vontade, 115g de queijo duro, duas xícaras de vegetais crus (saladas) e uma xícara de vegetais de baixo amido, como vagem e tomate. Nenhuma mudança foi feita em suas medicações psiquiátricas.

>> Antes da mudança alimentar, sua dieta típica era composta por sanduíches de ovo com queijo, refrigerante diet, carne de porco com molho barbecue, salada de frango, pratos prontos como hamburger helper, macarrão com queijo e batatas. Ela também relatava fadiga moderada (nível 3 em uma escala de 0 a 4).

>> Sete dias após iniciar a dieta, Doris já relatava aumento de energia.

>> No 8º dia, percebeu algo ainda mais inesperado: acordou sem ouvir vozes ou ver esqueletos.

>> Aos 19 dias, declarou estar livre das alucinações auditivas e visuais que a acompanhavam diariamente desde a infância. Sentia-se mais calma, mais disposta e sem fome.

>> Durante os 12 meses seguintes — até a publicação do estudo — ela permaneceu em remissão total dos sintomas de esquizofrenia, com progressiva melhora na energia e perda de peso. Teve apenas 2 ou 3 episódios breves de não adesão à dieta durante feriados, em que consumiu massas, pães e bolos. Ainda assim, não houve retorno das alucinações.

>> A única intervenção realizada foi a mudança alimentar. Nenhuma alteração foi feita nos medicamentos.

Doris viveu o resto de sua vida inteira sem sintomas de esquizofrenia e sem nenhum medicamento. Esse caso desafia tudo o que se conhece sobre o manejo tradicional da Esquizofrenia — e abre espaço para uma nova forma de olhar para a saúde mental: pela lente do metabolismo.

Observações do estudo

O estudo relata que, após décadas de sofrimento e múltiplos tratamentos medicamentosos sem resultados satisfatórios, Doris apresentou uma melhora clínica profunda e sustentada ao iniciar uma intervenção nutricional baseada na Dieta Cetogênica.

> A remissão dos sintomas psicóticos, no caso dela, foi rápida, iniciando cerca de oito dias após o início da dieta, sem qualquer modificação em sua medicação psiquiátrica.

> Após um ano, ela permanecia sem sintomas, com mais energia e menos peso, mesmo tendo apresentado pequenas recaídas alimentares durante feriados — que, curiosamente, não resultaram no retorno das alucinações.

Entre as hipóteses discutidas no artigo, estão os efeitos metabólicos da cetose, a modulação neuroquímica promovida pela dieta e a possível ação da eliminação do glúten, que poderia estar envolvido com reações imunológicas ou inflamatórias relacionadas à esquizofrenia.

Sobre o glúten: o estudo menciona pesquisas anteriores que relacionam o consumo de glúten com piora dos sintomas em pacientes com Esquizofrenia. Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, notou-se uma queda nas internações psiquiátricas em países onde o consumo de pão foi severamente reduzido. Outros dados observacionais indicam menor prevalência da doença em populações sem consumo regular de grãos. Além disso, alguns estudos apontam que uma parte dos pacientes com Esquizofrenia apresenta melhoras ao adotar dietas livres de glúten, mesmo sem diagnóstico formal de Doença Celíaca.

Esperança com base em ciência

A história de Doris é frequentemente citada por psiquiatras que adotam a abordagem da Psiquiatria Metabólica — como o Dr. Chris Palmer, que a entrevistou e relatou seu caso no livro Energia Cerebral. Casos como o de Doris reforçam a necessidade de um novo olhar para a Saúde Mental, em que o metabolismo é uma peça central e as intervenções na dieta e no estilo de vida podem levar à remissão mesmo dos quadros mais graves.

Doris não sofria apenas de Esquizofrenia: segundo o próprio estudo, ela apresentava uma série de condições de saúde metabólica alterada, como obesidade e hipertensão. Esse conjunto de disfunções é um retrato claro daquilo que a Psiquiatria Metabólica considera como causas biológicas raiz de muitos Transtornos Mentais: inflamação crônica, resistência à insulina, estresse oxidativo e disfunções mitocondriais.

A Psiquiatria Metabólica é uma abordagem inovadora que parte do princípio de que transtornos como Esquizofrenia, Depressão, Ansiedade e Transtorno Bipolar, entre outros Transtornos Psiquiátricos, podem ter base biológica em disfunções metabólicas. Um de seus pilares é a Terapia Cetogênica, que utiliza a Dieta Cetogênica como ferramenta terapêutica. A cetose — estado metabólico em que o corpo utiliza corpos cetônicos como fonte principal de energia — modula a atividade cerebral, reduz inflamação e aumenta a eficiência mitocondrial. Criada originalmente para tratar Epilepsia, essa dieta tem se mostrado, em muitos casos, mais potente que os medicamentos tradicionais.

Casos como o de Doris mostram que essa abordagem pode ter um impacto transformador em quadros que antes pareciam sem saída. A Psiquiatria Metabólica já oferece um novo paradigma: Saúde Mental e Saúde Metabólica caminham juntas.

Link do Estudo de Caso:
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC2652467/