Metformina ajuda na melhora de Depressão Bipolar Resistente, mostra estudo inédito

6/24/20254 min read

À medida em que a ciência avança, uma hipótese vem ganhando força: distúrbios metabólicos, como a resistência à insulina, têm um papel direto na gravidade e na persistência de transtornos mentais graves.

Essa hipótese foi reforçada por um estudo bastante criterioso, publicado no Journal of Clinical Psychiatry em 2022. Trata-se do TRIO-BD*, um ensaio clínico randomizado, quadruplamente cego e controlado por placebo — considerado o padrão-ouro da pesquisa científica em medicina. O estudo investigou se tratar a resistência à insulina com metformina, um medicamento amplamente usado no diabetes tipo 2, poderia melhorar os sintomas de depressão bipolar resistente ao tratamento.

Os resultados chamaram atenção: além de reverter a resistência à insulina em metade dos pacientes, o tratamento com metformina promoveu melhora significativa nos sintomas de depressão, ansiedade e no funcionamento global.

O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade Dalhousie (Canadá) e da Universidade de Pittsburgh (EUA), em parceria com hospitais universitários nessas regiões.

O que foi o estudo TRIO-BD?

  • O estudo TRIO-BD (Treating Insulin Resistance With Metformin as a Strategy to Improve Clinical Outcomes in Treatment-Resistant Bipolar Depression) foi desenvolvido com o objetivo de investigar uma nova abordagem terapêutica para casos graves de depressão bipolar. Ele testou se o tratamento da resistência à insulina com metformina poderia melhorar os sintomas depressivos em pacientes que não respondiam a tratamentos convencionais. Utilizando um modelo de ensaio clínico considerado padrão-ouro, o estudo buscou evidências sólidas com o máximo de controle metodológico possível.

    Desenho do estudo:

  • Ensaio clínico randomizado: pacientes foram sorteados para receber metformina ou placebo.

  • Quadruplamente cego: pacientes, médicos, avaliadores e estatísticos não sabiam quem recebia o tratamento real.

  • Duração: 26 semanas

  • Local: Halifax (Universidade Dalhousie, Canadá) e Pittsburgh (Universidade de Pittsburgh, EUA)

  • Participantes: 50 adultos com transtorno bipolar I ou II e resistência à insulina

Quem eram os participantes?

A população estudada era composta por indivíduos com histórico de múltiplas tentativas terapêuticas. Ao todo, 91% dos pacientes já haviam sido submetidos a tratamentos com pelo menos três classes de medicamentos psiquiátricos, incluindo estabilizadores de humor, antipsicóticos, antidepressivos e lítio. Muitos deles apresentavam um curso crônico ou sintomas persistentes mesmo entre os episódios. Isso demonstra que o estudo foi conduzido com uma amostra altamente complexa e representativa dos casos mais difíceis de tratar na prática clínica.

O estudo incluiu pacientes com:

  • Diagnóstico confirmado de transtorno bipolar tipo I ou II

  • Sintomas depressivos persistentes, mesmo após tratamento otimizado

  • Resistência à insulina, medida pelo índice HOMA-IR ≥ 1,8

Perfil médio dos pacientes:

  • Idade: 47,5 anos

  • 76% mulheres

  • 26 anos de duração da doença

  • 64% com diagnóstico de bipolar tipo I

  • 91% já haviam falhado em pelo menos 3 classes de medicamentos

  • 64% recebiam benefícios por invalidez

  • Média de 8,6 tentativas de tratamento anteriores


O que é HOMA-IR?

O HOMA-IR (Homeostasis Model Assessment of Insulin Resistance) é um índice amplamente usado em estudos clínicos para avaliar a resistência à insulina. Essa medida simples permite identificar alterações metabólicas precoces que muitas vezes passam despercebidas nos exames tradicionais.

No TRIO-BD, o uso do HOMA-IR permitiu selecionar uma amostra bastante homogênea em termos metabólicos, o que fortalece a validade dos achados.

É um índice que estima a resistência à insulina a partir de dois exames simples: glicemia em jejum e insulina em jejum.

Fórmula: HOMA-IR = (Glicemia × Insulina) / 405
(com a glicemia em mg/dL e a insulina em µU/mL)

Quanto maior o valor, maior a resistência. No estudo, só foram incluídos pacientes com HOMA-IR ≥ 1,8

O que foi avaliado?

Para avaliar os efeitos da metformina sobre os sintomas psiquiátricos e a condição metabólica dos pacientes, o estudo adotou instrumentos reconhecidos e validados na literatura científica. As escalas foram aplicadas de forma sistemática, em intervalos regulares, e os avaliadores foram cuidadosamente treinados e mantidos cegos aos dados laboratoriais. Isso garantiu que as mudanças observadas fossem interpretadas de forma neutra, sem influência externa. O uso combinado de escalas de depressão, ansiedade, funcionamento global e sintomas de mania ofereceu uma visão abrangente da evolução clínica dos participantes.

Escalas utilizadas (e o que medem)

  • MADRS: Gravidade da depressão

  • GAF: Funcionamento global

  • HAM-A: Sintomas de ansiedade

  • CGI-BP: Impressão clínica global do transtorno bipolar

  • YMRS: Sintomas de mania

  • C-SSRS: Ideação suicida

    As avaliações foram feitas nas semanas 0, 2, 6, 10, 14, 18, 22 e 26. Importante: os avaliadores não tinham acesso aos resultados laboratoriais (como glicemia e insulina), justamente para evitar viés. Ou seja, eles estavam “cegos” a essas informações para não influenciar inconscientemente na análise clínica.


Resultados

Os resultados destacam a importância de considerar o metabolismo como um fator-chave nos transtornos mentais resistentes ao tratamento. Pacientes que conseguiram reverter a resistência à insulina não só apresentaram melhora nos marcadores metabólicos, mas também mostraram ganhos consistentes em saúde mental. Esses achados fortalecem a hipótese de que há uma interconexão entre saúde metabólica e funcionamento cerebral, especialmente em condições complexas como o transtorno bipolar resistente.

Reversão da resistência à insulina:

  • 50% dos pacientes tratados com metformina deixaram de ter resistência à insulina até a semana 14.

  • Apenas 1 paciente (4%) no grupo placebo teve essa reversão.

    Melhora nos sintomas de depressão (MADRS)

  • Melhora visível a partir da semana 6, mantida até a semana 26.

  • Entre os que reverteram a resistência:

    • 81,8% tiveram redução ≥ 30% na pontuação MADRS

  • Entre os que não reverteram:

    • Apenas 39,3% alcançaram essa melhora


Tamanhos de efeito elevados

Esses valores indicam a força do efeito observado (quanto maior, mais forte o efeito):

  • MADRS (depressão):

d = 1,17 (semana 14) / d = 1,04 (semana 26)

  • GAF (funcionamento):

d = 1,47 / d = 1,58

  • HAM-A (ansiedade):

d = 0,61 / d = 1,0

  • CGI-BP (impressão global):

d = 0,93 (semana 26)

Efeitos colaterais

A metformina foi bem tolerada. Os efeitos mais comuns foram gastrointestinais (como esperado) e apareceram também no grupo placebo. Ninguém abandonou o estudo por efeitos adversos.

Limitações

  • Amostra pequena (45 pacientes com dados completos)

  • Não se sabe se os efeitos se mantêm no longo prazo

  • Só foi usada metformina de liberação imediata (não se testaram outras formulações)


Conclusão: um novo caminho?

O estudo sugere que, em pacientes com depressão bipolar resistente e resistência à insulina, tratar essa condição metabólica pode melhorar sintomas de depressão, ansiedade e funcionamento geral.

Ainda são necessários novos estudos com maior número de participantes e acompanhamento de longo prazo, mas os resultados indicam que corrigir a resistência à insulina é uma chave terapêutica poderosa — e pouco explorada — na saúde mental.

Acesse o estudo original aqui.