A Dieta Cetogênica para Transtornos Mentais Refratários

7/4/20254 min read

A Psiquiatria Metabólica vem ganhando destaque como uma abordagem inovadora e eficaz para tratar transtornos mentais graves — especialmente quando os métodos convencionais falham. Um estudo publicado em 2022 pelos psiquiatras Dr. Albert Danan e Dra. Georgia Ede reforça esse potencial.

Pacientes com quadros severos e refratários apresentaram melhorias clínicas significativas após adotarem uma dieta cetogênica supervisionada — com impactos positivos tanto na saúde mental quanto metabólica, em poucas semanas.

A seguir, você confere um resumo completo do estudo e entende por que ele está entre as evidências mais relevantes da aplicação clínica da dieta cetogênica em saúde mental.

Introdução

Publicado em 2022 na revista Frontiers in Psychiatry, o artigo “The Ketogenic Diet for Refractory Mental Illness: A Retrospective Analysis of 31 Inpatients” foi conduzido pelo psiquiatra Dr. Albert Danan, em colaboração com Dra. Georgia Ede e outros autores. A pesquisa descreve os resultados clínicos do uso da dieta cetogênica (DC) em pacientes adultos com transtornos mentais graves e refratários internados em um hospital psiquiátrico na França.

O estudo foi conduzido com autorização ética da administração da Clinique du Castelviel, respeitando os princípios de consentimento informado. Seu objetivo foi explorar os efeitos da dieta cetogênica como intervenção terapêutica para sintomas psiquiátricos resistentes e distúrbios metabólicos frequentemente associados.

Participantes

Participaram do estudo 31 pacientes adultos, todos com quadros psiquiátricos crônicos e refratários, selecionados da prática ambulatorial do Dr. Danan em Toulouse, França. A maioria era de origem francesa ou norte-africana. Todos haviam falhado em responder adequadamente a múltiplas intervenções convencionais e já haviam sido hospitalizados anteriormente sob cuidados similares, com melhora clínica limitada.

Os critérios de inclusão foram: falha terapêutica aos cuidados psiquiátricos padrão e disposição para seguir a dieta cetogênica. Foram excluídos pacientes com anorexia nervosa, IMC abaixo de 18,5, gravidez, lactação ou condições médicas contraindicatórias.

Diagnósticos principais:

  • Transtorno bipolar tipo 2 (13 pacientes)

  • Transtorno esquizoafetivo (12 pacientes)

  • Transtorno depressivo maior (7 pacientes)


Todos apresentavam ao menos um marcador de má saúde metabólica, como obesidade, hipertensão ou hiperglicemia.

Dos 31 pacientes, 22 foram admitidos voluntariamente para iniciar a dieta sob monitoramento. Os demais aceitaram a intervenção após internação para tratamento convencional. Todos estavam em uso de medicamentos psicotrópicos.

Metodologia

Trata-se de uma análise retrospectiva realizada entre maio de 2019 e abril de 2020, na Clinique du Castelviel, hospital psiquiátrico. Os participantes seguiram um protocolo de dieta cetogênica inspirado em estudos da Universidade Duke:

  • Carboidratos: até 20g/dia, de vegetais, castanhas, limão e chocolate amargo.

  • Proteína: 15–20% das calorias.

  • Gordura: 75–80% da dieta.

Todos recebiam três refeições cetogênicas preparadas pela equipe de nutrição, um lanche padrão formulado pelo médico e suplementos vitamínicos diários (incluindo ômega-3, vitaminas do complexo B, magnésio e vitamina C). O Dr. Danan acompanhava individualmente cada paciente seis dias por semana.

A adesão à dieta foi monitorada por entrevistas médicas, diários alimentares e observação da equipe. A cetose foi confirmada por testes de urina em pelo menos uma ocasião por paciente.

Resultados em Saúde Mental

Adesão à dieta

Dos 31 pacientes, 3 não mantiveram a dieta por mais de 14 dias e foram excluídos da análise final. Entre os 28 restantes: 39% tiveram adesão excelente l 43% boa l 18% razoável

Avaliações clínicas

As seguintes escalas padronizadas foram utilizadas:

  • PANSS (Positive and Negative Syndrome Scale): avalia sintomas positivos (ex. alucinações), negativos (ex. embotamento afetivo) e gerais em esquizofrenia.

  • HAM-D (Hamilton Depression Rating Scale): mede a gravidade da depressão.

  • MADRS (Montgomery-Åsberg Depression Rating Scale): foca em sintomas de depressão com sensibilidade a mudanças clínicas.

  • CGI-S (Clinical Global Impressions – Severity): avalia a gravidade geral do quadro psiquiátrico.

Melhora em sintomas psicóticos e de humor

Transtorno esquizoafetivo (PANSS):

  • Todos os pacientes melhoraram significativamente.

  • Média de 91,4 caiu para 49,3 pontos.

  • 100% tiveram melhora acima do limiar clínico (≥16,5 pontos).


Depressão (HAM-D e MADRS):

  • HAM-D: média caiu de 25,4 para 7,7 (n = 23)

  • MADRS: média caiu de 29,6 para 10,1 (n = 21)

  • Todos os pacientes mostraram melhora significativa.

  • 95% atingiram redução substancial nos sintomas (>7 pontos no HAM-D).


CGI-S (gravidade global):

  • Média de 4.9 caiu para 2.0.

  • 43% atingiram remissão clínica.

  • Todos reduziram ao menos dois pontos — resultado estatisticamente robusto (Cohen’s d = 3.8)


Resultados em Saúde Metabólica

A dieta também gerou efeitos metabólicos positivos:

  • 96,4% dos pacientes perderam peso.

  • Redução média: 10,8 lbs (~5 kg)

  • Redução de IMC: −1.7 kg/m²

  • 48% dos que usavam antipsicóticos perderam ≥5% do peso.

  • Houve redução estatisticamente significativa nos níveis de:

    • Glicemia em jejum

    • Hemoglobina glicada (A1c)

    • Pressão arterial

    • Triglicerídeos

    • GGT, ALT, AST

    • Colesterol total


Mudanças em Medicamentos

Antes da intervenção, a média era de 5,3 psicotrópicos por paciente. Ao final da dieta:

  • 64% reduziram a dose ou número de psicotrópicos.

  • 71% dos que usavam medicamentos não psiquiátricos (como insulina, metformina e estatinas) também os reduziram.


Tolerabilidade e Continuidade

A dieta foi bem tolerada:

  • 87% não tiveram efeitos adversos relevantes.

  • Sintomas leves (cefaleia, insônia, irritabilidade) surgiram na adaptação e cessaram em até duas semanas.


Após a alta:

  • 46% continuaram a dieta.

  • 18% mantiveram parcialmente.

  • 21% pararam, por motivos como custo, dificuldade logística e desmotivação.


Conclusão

Este estudo retrospectivo, conduzido em ambiente psiquiátrico hospitalar, mostrou que a dieta cetogênica pode ser uma estratégia segura, viável e eficaz para pacientes com transtornos mentais graves e refratários, além de promover melhorias metabólicas substanciais.

Os resultados são expressivos e sustentam a necessidade de ensaios clínicos randomizados para confirmar os efeitos da dieta cetogênica em diferentes contextos psiquiátricos. Mesmo com limitações metodológicas — como ausência de grupo controle e caráter observacional — a magnitude das melhorias clínicas observadas, especialmente em pacientes já hospitalizados anteriormente sem sucesso, sugere um potencial terapêutico relevante para a dieta cetogênica na psiquiatria.

Link do estudo original